Lais Fontenelle

Tema(s): Pandemia

2020: O ano que pareceu nunca começar ou sequer terminar.

O que dizer deste ano que hoje chega ao fim?

2020 se iniciou com a promessa de que o sol seria o regente deste ano. Será? Tendo a acreditar que quem regeu esse ano distópico foi algo invisível aos nossos olhos e que mudou o rumo não só do ano, quiçá da história da humanidade. Há uma semana do final do verão, em nosso país tropical, fomos compelidos ao confinamento para conter o contágio do novo Coronavírus. Ilusoriamente acreditamos que a chamada quarentena seriam de somente 15 dias ou férias antecipadas- que alguns até celebraram, inclusive. Passadas as duas semanas iniciais fomos nos dando conta de que o tempo estava suspenso e que a palavra de ordem seria paciência. Fomos observando, silenciosamente, o aumento exponencial de infectados e de óbitos pelo vírus ao redor do mundo. A cada dia que se passava nossos medos, incertezas e nossa saudade apertava nossos corações e nos roubava o sono e as palavras para exprimir o que estávamos sentindo não só individualmente, mas enquanto coletivo. Foi preciso força.

Nossa casa, batizada de lar, era para ser nosso refúgio e proteção para a pandemia da Covid19, mas logo se transformou, paradoxalmente, em um espaço/tempo de muitas exigências e produção cansativas. O convívio familiar forçado num espaço restrito e sem respiro trouxe muito conflito. Nossa morada foi invadida por nossos trabalhos e pela escola de nossos filhos desvelando não só nossa vulnerabilidade, mas nossa intimidade em quadrados na velocidade luz. O que era para ser uma pausa, um convite a reflexão sobre nosso tempo, além de uma tentativa de reconexão, rapidamente, se tornou excesso de trabalho, de convívio, de brigas e de telas. E mais do que isso excesso de ausências.

Eu mesma já tinha passado por duas quarentenas em minha vida. O puerpério e outra quando tive que fazer um tratamento médico e por isso já sabia que quarentenas são difíceis de atravessar, mas nas duas ocasiões anteriores eu tive rede de apoio. Somente eu estava em quarentena e não o mundo todo. O que isso quer dizer? Que desta vez a travessia conseguiu ser mais solitária ainda- se é que isso pode ser possível. O amparo, também, foi colocado em suspenso já que cuidar de si, dos seus, de sua casa e seu trabalho já era por demais cansativo. Não tínhamos todo tempo do mundo como supúnhamos no início. A maioria de nós se viu sem tempo para os outros, para ler aqueles livros todos que julgamos, erroneamente, que daríamos conta, ou para fazer todas as receitas esquecidas no livro da vovó. Claro que uma minoria, talvez, tenha conseguido passar por esse tempo de maneira mais idílica, mas não sem dor.

E assim os dias e meses foram se passando com muitas telas, muitas lives e muitas dúvidas. Vimos o abismo social ser escancarado, a política em nosso país ruir e o pantanal queimar. Assistimos aos protestos nos EUA e por aqui ouvimos menos panelas do que era preciso . Cantamos e choramos com Caetano e Tetê. Nos conectamos pela música com o festival One World Together at home. Contemplamos o mundo por janelas e quadrados. Ensinamos muito mais do que Português e Matemática aos nossos filhos. Mostramos a eles que somos humanos e não temos todas as respostas. Compreendemos que a solidariedade deve se sobrepor a competitividade. Entendemos a grandeza dos médicos e professores que dedicam suas vidas ao cuidado do outro. Compreendemos que a saúde mental é tão importante quanto a física. Percebemos a beleza e a grandeza das crianças e o abandono dos idosos. Sentimos na pele o significado da palavra saudade.

Vivemos uma guerra biológica. Sem mergulho no mar, sem escola e sem cinema- por um semestre. Foi preciso força. Foi preciso fôlego. Foi preciso calma e ainda é preciso paciência. O ano chega ao fim, mas a pandemia vive uma segunda onda. Mais de 40 países já começaram a vacinação. O nosso ainda não. É preciso força. É preciso esperança. 2020 nos ensinou que a vida nos pede coragem- como já nos disse o grande Guimarães Rosa. Foram mais de 1.787.033 vidas interrompidas no mundo e mais de 190 mil somente no Brasil. A vida nos pede urgência. Fechamos 2020 exaustos, mas com a certeza de nossa força, de nossa resiliência, do amor que temos e que a vida só é possível se reinventada. Fechamos 2020 esperançosos de tempos mais humanos, gentis e solidários. Tempos que o abraço se sobreponha ao zoom e que as máscaras não escondam mais nossos sorrisos. Esperamos de 2021 maior compaixão com nossas crianças. Elas, assim como todos nós, precisam de mais encontros. 2021 venha mais leve, por favor.

Texto originalmente publicado em Medium.