Adolescer em tempos de pandemia
Isolamento social provoca impactos preocupantes na saúde mental dos jovens
Passado mais de um ano do início da Pandemia da Covid 19 começamos a ver à olhos nus as cicatrizes inscritas em nossas crianças e adolescentes devido, principalmente, ao isolamento social experimentado na quarentena. O trauma coletivo pode ser, facilmente, percebido nos indivíduos em geral com os sorrisos cobertos e olhos cansados pelo excesso de telas, obrigações e novos protocolos sanitários. Sem falar do estado de alerta e prontidão que nossos corpos rígidos se encontram pelo medo, luto e saudade. O sentimento de “languishing” – muito bem definido pelo sociólogo Corey Keyes e descrito pelo psicólogo organizacional Adam Grant no jornal The New York Times- parece ser imperativo nestes novos tempos. É um estado emocional que, em sua essência, se define pelo vazio e apatia. Sim, definhamos.
Agora imaginem o que sentem nossos adolescentes, seres sociais por natureza. No momento de maior conquista de liberdade e autonomia, quando estavam trilhando um caminho de expansão diferenciando-se de seus pais, ocupando as ruas e experimentando a vida foram levados para dentro de casa, num convívio extremo com a família e longe do grupo- lugar de maior identificação, encontro e apoio. A escola, que só faz sentido presencialmente pela possibilidade do laço social, migrou para as telas que permaneceram pretas e com microfones mutados, já que para eles a exposição excessiva de seu espaço privado e a visão de sua face, incessantemente, eram por demais angustiantes.Sem esquecer das insones redes sociais escancarando a falsa alegria.
É sabido que os adolescentes sofrem. Pela oscilação hormonal que traz mudanças no corpo. Pela puberdade que marca a perda da infância concomitante com a interdição sexual do mundo adulto. Sofrem pelo não lugar social e hoje, mais do que nunca, sofrem pelo que a pandemia lhes roubou. O presente e a perspectiva de futuro. Eles tentam curar a ferida do trauma de sonhos suspensos e de importantes ritos de passagem interrompidos. Alguns fecharam a escolaridade online e outros começaram a vida universitária remota. Nossos adolescentes sofrem pela falta de aglomerações e pelo exílio coletivo experimentado que se agigantou em sua subjetividade como um grande vazio silencioso. E é por isso que Setembro, batizado de Amarelo, pela campanha de prevenção ao suicídio – iniciativa do Centro de Valorização da Vida (CVV), do Conselho Federal de Medicina (CFM) e da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) nos convoca a refletir sobre a saúde mental de nossos jovens.
Alguns se cortam, pois sim o “cutting” -automutilação- tem sido uma saída para a dor que, sem possibilidade de se tornar palavra, se inscreve como tatuagem no corpo. Outros fazem crises de ansiedade, perdem o sono e a concentração ou choram enquanto tantos, simplesmente, silenciam. O suicídio continua sendo a segunda causa de morte entre jovens de 15 a 29 anos.
Todos os anos, mais pessoas de 800 mil pessoas morrem como resultado de suicídio, mais do que HIV, malária ou câncer de mama. Dados que levaram a OMS a produzir novas orientações para ajudar os países a melhorar a prevenção do suicídio e atendimento.Entre 2000 a 2015, os suicídios aumentaram 65% dos 10 aos 14 anos e 45% dos 15 aos 19 anos, segundo levantamento do sociólogo Julio Jacobo Waiselfisz, coordenador do Mapa da Violência no Brasil. Precisamos estar atentos aos sinais de alerta e trabalhar em prol da prevenção. Família, escola e profissionais de saúde juntos. Compartilhamos a responsabilidade de tecer redes de apoio e escuta para amparar o sofrimento de nossos jovens. O tema é urgente, mesmo quando setembro passar.
Texto originalmente publicado na Folha de S. Paulo em 10/09/2021