Lais Fontenelle

Tema(s): Adolescência, Saúde mental

Adolescer sem adoecer. O que o novo filme da Pixar “Red Crescer é uma fera” tem a nos ensinar.

Na semana passada assisti, com minha filha de 10 anos, a nova estréia da diretora Domee Shi- “Red, crescer é uma fera”. Esse é o primeiro filme da Disney Pixar a ser dirigido exclusivamente por uma mulher, com uma equipe de criação majoritariamente feminina- o que nos explica um pouco o porquê da obra audiovisual conseguir mostrar com tanta delicadeza as sutilezas do universo feminino. O filme é programa obrigatório para mães de meninas que estão entrando ou já entraram na puberdade. De maneira metafórica e bastante cuidadosa a cineasta consegue mostrar as dores e delícias da entrada na puberdade, principalmente, numa família dominada por mulheres fortes como é o caso da protagonista Meilin Lee, uma garota de 13 anos dividida entre continuar sendo uma filha obediente ou abraçar sua adolescência e identidade, rompendo com tradições e expectativas de suas familiares.

A adolescência de Meilin Lee é representada pela figura controversa do Panda Vermelho, animal fofo e igualmente assustador, que ela se transforma quando tomada por fortes emoções. O Panda vermelho, simbolicamente escolhido para representar as transformações que a puberdade traz no corpo das meninas a começar pela cor vermelha denotando a menstruação, os pelos que começam a aparecer e as emoções voláteis dos adolescentes é no filme parte do passado ancestral das mulheres de sua família. Porém, a ancestralidade do Panda é um segredo escondido, principalmente pela controladora e amorosa Ming, mãe de Meilin Lee que se desdobra em mil para manter esse segredo ou seu próprio enorme panda adormecido, além de cuidar e proteger sua filha – sem perceber o quanto isso a sufoca e não a deixa crescer.

A adolescência, diferente da infância, é uma fase pouco falada, investida ou sequer retratada até mesmo por especialistas. A Organização Mundial da Saúde, por exemplo, circunscreve a adolescência à segunda década de vida (de 10 a 19 anos) e já o Estatuto da Criança e da Adolescência marca sujeitos entre 12 e 18 anos de idade como adolescentes. Vulgarmente chamada de “Aborrecência”, esse período da vida é marcado pela avalanche de hormônios que invadem esse corpo em transformação e faz com que esses sujeitos estejam com as emoções à flor da pele fazendo com que tudo seja difícil na relação com eles, principalmente acessar seu mundo interno. Por isso choram, sofrem, amam e odeiam intensamente. Os sentimentos desmedidos e a forma impulsiva de se comportar dos adolescentes tem a ver com a biologia desses seres mutantes que ainda não tem o lobo frontal do cérebro, totalmente formado, o que compromete a função executiva que ajuda o ser humano a se organizar e se regular.

 Pode-se dizer que a fisiologia emocional da adolescência pede expansão, ruptura e deslocamento com a família. Os adolescentes precisam do grupo social e de seus pares como parte do processo de construção e afirmação de sua identidade, diferente da família. E é isso que vemos, belamente, retratado no filme. A relação da Meilin Lee com suas 3 fiéis e grandes amigas revela a importância que os amigos têm na vida destes jovens como rede de apoio, acolhimento, reconhecimento e  aceitação longe da família. 

Meilin Lee precisa se separar de sua mãe e para que isso aconteça na ordem do simbólico ela precisa viver a ruptura concretamente. Mas, isso não quer dizer que esse período não pede conexão ou convivência dos adolescentes com seus pais ou cuidadores. Vocês devem estar se perguntando: Mas, como fazer isso? Precisamos estar disponíveis para esse novo sujeito que se deflagra e ainda precisa de olhar, cuidado atento e, mais do que tudo, de diálogo e demonstração de afeto, apesar de parecer o contrário. 

Sem dúvida, a quixotesca tarefa de aproximação com um adolescente não é nada fácil e requer tato, constância e paciência. Portas fechadas, olhos quadrados nas telas, cabeças baixas ou escondidas em capuzes de moletom, além das frases com gírias indecifráveis nos afastam deles, porém precisamos furar essa bolha. E uma das formas de se fazer isso é com conversas francas e sem julgamento ou até mostrando um pouco de nossa vulnerabilidade. Se interessar pelo seu mundo (com todo respeito para não invadi-lo) e acima de tudo aceitar sua travessia. Dialogar com eles, pedir sua opinião, que com certeza será criativa, para um problema em comum são formas de se vincular com esse panda e abraçar essa nova fera.

Falar sobre como foi nosso próprio percurso de adolescer os ajuda a não adoecer. Todos temos um panda vermelho dentro de nós que aprendemos a amar e regular – o que é diferente de controlar. Esconder o panda deles não os ajudará em nada. Precisamos romper com expectativas irreais enquanto pais e entender que adolescer é uma fase que pode, sim, ser fantástica. Basta ouvirmos o que nossos jovens têm a dizer.  Abraçar os pandas que surgem, diferentes de nossa fantasia parental, é urgente e determinante para ajudar nossos filhos a amadurecer nestes duros tempos. Crescer pode ser uma festa.