Lais Fontenelle

Tema(s): Infância

Birras

Parte do processo de desenvolvimento da autonomia e diferenciação: fáceis de presenciar e difíceis de lidar.

Não vou tomar banho agora. Não vou comer tudinho. Não vou colocar o cinto de segurança e nem pensar em escovar os dentes. Não, não e não! De repente aquele bebê fofo, que se aninha em nosso colo ou engatinhava pela casa fazendo gracinhas, que nos arrancavam sorrisos, vira um pequeno tirano que só sabe falar na negativa, gritar e se opor aos nossos comandos. Bem vindos aos “Terrible twos”, em tradução livre- os terríveis dois anos, ou a adolescência da infância! Sem dúvida, essa é uma fase difícil de lidar do desenvolvimento infantil, mas imprescindível para o processo de ampliação da autonomia da criança. Lembremos que há pouco o bebê, de até mais ou menos 10 meses, ainda era um ser muito dependente que nem verticaliza o corpo sozinho ou tinha um repertório de palavras suficiente para conquistar seus desejos, precisando do adulto cuidador para quase tudo. Com a ampliação da linguagem e da coordenação motora ampla a criança começa a ter uma maior capacidade de demonstrar o que quer, ou não quer, e essa é uma fase onde muitos conflitos passam a acontecer na família e são difíceis de mediar. As famosas frases imperativas como “É meu” ou “Eu quero” se tornam mantras somados ao categórico “não”.

Vale dizer que esse cenário tem se agravado atualmente devido, muitas vezes, a uma inversão de papéis trazida pela tecnologia que descortinou o mundo adulto para nossos pequenos, desde a mais tenra idade, adultizando crianças e infantilizando os adultos em como lidar com os pequenos. Porém, vale lembrar-nos que ainda somos os adultos cuidadores que precisam não só apresentar o mundo aos pequenos, mas mais do que isso a forma como devemos nos relacionar nesse mundo novo. E para começarmos a pensar em saídas, possíveis, para situações de conflito destaco que a paciência é a ferramenta essencial nessa fase já que não é do dia para noite que as crianças assimilam os novos comportamentos e regras sociais. Entendo que o sentimento de impotência nos acomete numa crise, ou cena constrangedora num espaço público, quando nossos filhos abrem o berreiro pedindo uma atuação, firme e acolhedora, nossa. Fácil escrever, mas difícil experimentar. Já vivi, assim como a maioria dos leitores, cenas como as descritas acima e me senti perdida em como resolver.

É sabido que a maioria dos responsáveis adoraria ler uma lista milagrosa de ideias sobre como lidar com seus filhos nessas horas, porém volto a dizer que não existe receita educativa do que fazer já que vai depender da família, do contexto e da situação.Talvez a maneira mais fácil de responder a essa demanda seja refletirmos juntos sobre comportamentos usuais não tão adequados para tentarmos chegar em soluções viáveis e menos sofridas para ambas as partes.

Duplos comandos, que significam dizer algo e ter um comportamento contrário, são corriqueiros e merecem nossa atenção. Porém, confundem a criança, já que os adultos cuidadores ainda são os principais exemplos e modelos a serem seguidos no processo educativo. Por isso gritar pedindo silêncio, talvez, não seja a melhor solução para diminuir o tom e se conseguir ouvir um ao outro. Quando a criança se descontrola ela nos mostra que está sem recursos além do grito, birra ou choro e cabe a nós, adultos, ajudá-la a se autorregular. Abaixar e olhar nos olhos delas com um tom de voz mais calmo pode ser o início de uma mudança na cena. Logo em seguida pode-se tentar sair do ambiente para se expor mais ainda a criança.

Sabemos que nessas situações ficamos muito sem graça com os olhares alheios e de julgamento exterior, por isso dizer à criança que todos estão olhando para ela e pensando que grande “bobeira” está fazendo não ajuda em nada. Pelo contrário só a expõe ainda mais aumentando sua raiva e descontrole. Por isso, retirar ela da cena para tentativa de um diálogo é muito mais eficaz. Ou, simplesmente, aguentar firme a birra passar para depois conversar. Agir com calma e acolhimento pode fazer toda a diferença.

Tempo. Não tenha pressa nessa fase. Questão importante prestarmos atenção já que o das crianças difere de nossa urgência adulta. Por isso, quando quiser que a criança execute tarefas, pense em alargar o tempo na expectativa da resposta. Difícil pedir para colocar a roupa sem estresse quando já chamamos o uber. Além do tempo , não deixe de levar em consideração que a imposição não funcionará na adolescência da infância, por isso tente sempre negociar com as crianças envolvendo elas na decisão e oferecendo opções palpáveis. Ao invés de chegar num restaurante e perguntar o que ela quer comer (já que sua escolha pode não estar no cardápio ou não nos agradar) vale dar a ela duas opções viáveis. Assim ela sente que foi incluída na decisão e isso a acalma.

E por fim, tenhamos consciência que chantagens, agressões verbais ou físicas nunca são uma solução para lidar com as crianças, sujeitos em desenvolvimento e vulneráveis na relação com os adultos. A chantagem é uma moeda de troca que pode até funcionar na hora, mas a longo prazo, não tenha dúvida que vai se virar contra você já que os pequenos aprendem rapidinho com esse exemplo. Só vou comer tudinho se puder assistir tv depois, viu mãe? Busque conhecer mais sobre a disciplina positiva, tão em voga nos dias de hoje, que nos ajuda a refletir sobre uma maneira mais acolhedora de educar nossas crianças. O reforço positivo pode ser muito mais eficaz na formação de um cidadão do que punições- que a criança não entenda o porquê. Sejamos firmes e amorosos sempre.