Lais Fontenelle

Tema(s): Adolescência, Suicídio

Cada um no seu quadrado, apesar de juntos e misturados

Sobre o impacto do longo isolamento social na vida de crianças, adolescentes e suas famílias.

Setembro, mês das flores, chegou. E, este ano, não trará só a Primavera, mas também a marca dos seis meses de nossas crianças e adolescentes distantes da escola – sua segunda casa. Espaço do conflito, como gosto de dizer. Conflito pelo encontro com o conhecimento e com seus pares. Espaço da troca, do convite ao início do exercício cívico diário, distante da família. E, como ouvi essa semana Sidarta Ribeiro, grande neurocientista, dizer, o espaço escolar como Templo. Achei não só bonito, mas pertinente, pois a escola é, sem dúvida, um espaço sagrado para aqueles que habitam seu chão todos os dias. Espaço de histórias e memórias compartilhadas entre crianças, adolescentes e professores. Lugar tão especial que tentamos compartilhar – pela curiosidade dos responsáveis – o que ali é experimentado em posts, textos, imagens ou eventos que não conseguem reproduzir a grandeza da experiência vivida cotidianamente.

Geralmente, à nossa casa nos referimos como lar, espaço divino onde nos recolhemos para nos sentir protegidos de todos os males. Este semestre longe da escola trouxe a muitas crianças e adolescentes uma nova noção de casa não só como morada, já que a maioria das casas virou escritório e escola, que dividiram não só a internet entre família, mas segredos, aprendizagens e outros conflitos. A escola da Pandemia de 2020 passou a ter senha de acesso para os pequenos, que chegava via família, demonstrando que aquele portão real, que descortinava um local que só a eles pertencia quando ultrapassado todas as manhãs, passou a ser compartilhado com seus responsáveis, e isso lhes trouxe impactos. Os limites entre público e privado na experiência da quarentena das famílias ficaram esgarçados. Tudo passou a ser compartilhado, mas nem sempre curtido. E essa experiência merece nossa cuidadosa reflexão. Alguns segredos, incertezas, lágrimas e conversas que, antes da quarentena, ficavam circunscritos aos adultos, entraram na vida das crianças e jovens sem pedir permissão e isso trouxe sentimentos ambíguos.

Para os adolescentes, seres sociais por natureza (para quem o grupo tem uma importância enorme), os impactos da ausência da rua e do excesso da escola em suas casas estão sendo, talvez, inimagináveis para nós adultos. Façamos uma tentativa de empatizar com o que sentem esses sujeitos sem os corredores, a fila da cantina, o sorriso dos docentes e a troca entre seus pares vividas no universo escolar. Imaginemos o que significa para eles estar confinado com seus pais forçadamente – num momento da vida de busca por liberdade e exercício de autonomia. O conhecimento não cessou. Aulas síncronas e assíncronas, assemblies, trabalhos em grupo… Tudo seguiu, mas com cada um em seu quadrado e não mais juntos e misturados. Esse cenário distópico lhes trouxe tédio, além de ansiedade e sofrimento psíquico frente à falta de resposta para muitas de suas dúvidas.

As câmeras desligadas com os microfones mutados são, muitas vezes, a realidade da vida em quadrados nas aulas diárias. Tínhamos a errônea ideia de que nossos jovens se adaptariam mais facilmente à vida nos quadrados pela intensidade com que usam as redes sociais e o domínio que têm da tecnologia. Doce ilusão. Eles estão carentes de contato presencial e do abraço. Anseiam o retorno à escola. No início da quarentena, falei muito sobre as famílias estarem noite e dia sob o mesmo teto, mas com o risco de estarem apartadas, ou melhor dizendo, distanciadas emocionalmente. Hoje estamos não só inseguros com o que o futuro nos reserva, mas também sobrecarregados e cansados. Perdemos nossos respiros diários, o que pode acarretar numa explosão por pequenas coisas, falta de paciência com as crianças ou num distanciamento dos jovens.

Porém, é urgente fazermos laços, oferecendo escuta e supervisionando o cotidiano, sem cobrança excessiva. Apesar da ansiedade, alterações no sono, irritabilidade e desânimo serem os sentimentos de ordem da quarentena, precisamos ficar alertas aos sinais que merecem maior cuidado e atenção. Setembro é, também, amarelo pela campanha de prevenção ao suicídio – iniciativa do Centro de Valorização da Vida, do Conselho Federal de Medicina e da Associação Brasileira de Psiquiatria. A quixotesca missão de prevenir o suicídio é, hoje, de todos nós. E, aos meus olhos, a saída mais eficiente é através da presença efetiva da escuta atenta, além do exercício do diálogo e do resgate da verdadeira conexão. Estejamos juntos e misturados com nossos jovens no setembro de 2020 mais do que nunca. A parceria família e escola segue sendo nossa prioridade.