Close: O poder da palavra na transformação do exercício da masculinidade.
Essa semana assisti ao aclamado filme belga Close, dirigido por Lukas Dhon, que narra a história de Léo e Rami, dois amigos inseparáveis na infância, mas que no início da puberdade, mais especificamente quando a inscrição no social escolar acontece, acabam se afastando e criando um abismo intransponível entre eles que nos silencia enquanto público espectador na busca por compreender o que a palavra não alcança nessa interdição de uma amizade tão íntima quanto profunda.
Sou de uma família majoritariamente feminina e até quando engravidei, de alguma forma, temi que fosse um menino por achar que não saberia cuidar ou que aquela dita cumplicidade entre mãe e filha não caberia na relação de uma mãe com um filho homem. Curiosamente o nome do menino já estava escolhido. Seria Martin. Mas, fato é que veio a menina Clarice. Mais uma mulher para compor as trocas femininas que habitam nossa trama familiar composta por enredos inscritos em nossa feminilidade.
No exercício de minha profissão como psicóloga, seja no âmbito escolar ou no consultório privado, não é de se estranhar que a escuta das meninas e mulheres, de suas dores e dilemas seja mais habitual e frequente. Até mesmo em orientações parentais (quando o casal é composto por pai e mãe) a conversa começa com a presença de ambos e termina com a mulher no lugar de fala no quadrado do zoom ou sentada no divã. Não à toa, tenho me questionado e me interessado pelas histórias de homens. Não aquelas do futebol, da caça e da guerra, do sexo performático ou do exercício do poder que estamos acostumadas a ouvir. Mas, suas histórias de traumas, vulnerabilidades e afetos. Onde habitam as histórias de masculinidades da ordem do sentir? Por que têm sido guardadas em segredo por tanto tempo?
Os motivos sócio históricos que colocaram o homem nesse lugar da impossibilidade do sentir, ou melhor, na dificuldade de expressar sua afetividade são inúmeros, porém esse tipo de masculino tem saído de moda. Hoje o debate da masculinidade tóxica e do poder da gentileza como transformação das relações sociais ganhou destaque. Homens brancos, heterossexuais, cisgênero andam sob ataque pela crença de que representam a sociedade patriarcal e todas as formas de exclusão nela presentes como racismo, machismo dentre tantas outras formas de violência. Mas, me pergunto quais outros espaços têm tido os homens na vida social? Como podemos ouvi-los verdadeiramente? Sobre a forma como foram criados, sobre as expectativas de performance, as projeções e sobre a maneira como se relacionam não somente entre si, mas de forma geral, seja nos seus relacionamentos afetivos ou no trabalho. Onde esses machos têm a chance do exercício da dúvida que o sentimento de amor nos traz.
Essa semana tive a chance, também, de ouvir grandes homens falando sobre masculinidades e seus efeitos na sociedade, entre eles o filósofo Renato Noguera que discorreu (citando outros grandes mestres) sobre a potência do amor como forma de compartilhamento de experiências e como único antídoto possível da violência atualmente. Já no podcast Cartas de um terapeuta me deleitei com o diálogo franco e aberto entre Alexandre Coimbra e Francisco Bosco dentre tantas coisas sobre como reverter essa noção de masculinidade hoje regente. O encontro discursivo desses três pensadores contemporâneos se dá, ao meu ver, quando colocam a possibilidade de reumanização da sociedade a partir da palavra embebida de verdade sobre as histórias reais de homens que se afetam. Um lugar ainda desconhecido por muitos – o lugar da vulnerabilidade como potência. O lugar em que a dor pode ser palavra e não ação, como forma de agressividade.
Voltando ao filme acima citado me pergunto, já quase fechando minha humilde reflexão, se a partir de espaços de escuta e diálogo efetivo com os meninos poderemos fomentar uma educação para um outro tipo de exercício de masculinidade. Uma educação pela escuta, pela palavra e acima de tudo pelo afeto. Qual seria o desfecho do filme se o toque, o gesto, o abraço e a intimidade entre homens fosse possível ? Será que se a palavra, a dúvida e a lágrima se sobressaíssem ao silêncio a tristeza seria menor? E se a delicadeza fosse a verdadeira arma dos homens? Teríamos uma sociedade mais amorosa, inclusiva e solidária? Não sabermos, mas acredito ser urgente fomentarmos espaços tanto nas escolas e dentro das famílias onde a educação de meninos coloque as palavras no mesmo lugar de importância que suas ações. Close, que em nossa língua significa perto, é imperdível.