Lais Fontenelle

Tema(s): Adolescência

No ritmo do coração, vencedor do Oscar de Melhor Filme em 2022. Um drama bem humorado sobre família, inclusão e adolescência.

CODA, título original do filme que conquistou a estatueta no Oscar 2022, é um acrônimo em inglês para Children of Deaf Adults (filho de adultos surdos, em tradução livre). Mas “coda” é, também, o nome dado à seção com que se termina uma música, sendo um nome bem mais apropriado ao Drama do que o título clichê traduzido para o Português. O longa surpreendeu a todos com a conquista do título de melhor filme concorrendo ao lado de Duna e Belfast- que eram as maiores apostas deste ano. Fruto de um roteiro adaptado do francês Família Bélier de 2014, o filme retrata o drama de Ruby, uma adolescente de 17 anos, filha ouvinte de uma família pescadora de surdos que vive o dilema de seguir seu sonho ou continuar aprisionada numa vida de intérprete da sua amorosa família na pequena cidade costeira que residem.

Quebrando resistências a diretora Sian Heder deu um ousado passo ao roteiro original que foi a contratação de atores surdos e a adoção de ASL (American Sign Language- língua Americana de Sinais) na maior parte do filme – uma escolha bela e sensível na forma de retratar uma realidade pouco vista ou sequer experimentada pela maioria ouvinte. Para sua imersão neste universo silencioso e diferente do dela, Heder mergulhou fundo e não só entrevistou Codas, aprendeu a língua de sinais como, também, começou a frequentar assiduamente uma companhia teatral que faz peças com atores surdos, o Deaf West Theatre. Tendo sido lá, inclusive, que ela descobriu o talentoso Troy Kotsur, que vive Frank, o divertido e compreensivo pai de Ruby.

O percurso de busca por autonomia e construção de uma identidade diferente de sua família impõe a Ruby, filha mais nova do casal (que como já dito nasceu com a audição preservada nesta família surda), desafios ainda maiores do que aqueles experimentados pelas adolescentes de sua escola. A começar por sua rotina diária que começa muito mais cedo do que a maioria, já que ela levanta todos os dias (quando ainda é noite) para pescar com seu pai e irmão mais velho, servindo de apoio e cuidado com eles ao mar, além de intérprete na venda e reuniões dos sindicatos pesqueiros. 

Ruby vive não só os conflitos inerentes à adolescência como os dramas relacionais na escola, o primeiro amor e a necessidade de diferenciação dos pais mas, experimenta uma importante cisão entre dois mundos. O mundo da família que não escuta e o mundo dos que ouvem em que ela se vê  pouco inserida ou aceita  até o momento em que conhece um professor de música que alcança seu talento para cantar e descortina um universo adulto a desejar perto da música, sua grande paixão, mas longe da sua família.

O sensível filme, que mistura humor e drama com maestria, além de nos fazer refletir sobre a importância dos laços familiares no processo de adolescer nos escancara os enormes desafios para pessoas atípicas num mundo ainda muito pouco inclusivo. Perceber os desafios impostos quando não se ouve- seja pela solidão de se fazer entender numa conversa de bar ou numa consulta médica, além de, claro, tentar se incluir num mundo de sons são alguns dos desafios mostrados no longa até  a questão maior que é a dificuldade para conquista de autonomia no mundo do trabalho. 

A reflexão sobre inclusão se faz cada vez mais urgente  em todos os espaços e não só no universo escolar. É prioridade pensarmos nas barreiras sociais que devem ser derrubadas em nome de um mundo que abrace a inclusão e a diversidade como sua beleza e grandeza. A existência humana é por natureza diversa. Que a estatueta de CODA nos faça repensar e nos responsabilize para mais ações a favor da inclusão desenhando oportunidades diferentes para que a equidade seja alcançada e não só uma utopia. Seguimos em busca da utopia sempre.

 

“ A utopia está lá no horizonte. Me aproximo dois passos e ela se afasta 2 passos. caminho dez passos e o horizonte corre dez passos.Por mais que eu caminhe, jamais alcançarei. Para que serve a utopia? Serve para isso.: para que eu não deixe de caminhar. “ Galeano