Porque a vida é fugaz
Reflexões sobre a importância de desacelerar para homenagear as crianças e seu tempo: “tempo da espera, da contemplação, do encantamento”
“O tempo é a vida” (Alejandro Suárez , 6 anos)
A maioria dos pais espera nove longos meses, desde a concepção até o nascimento dos filhos, desejando que eles não venham antes do tempo – as famosas 40 semanas – , mas que nasçam com saúde para crescer e se desenvolver no seu tempo. Outros tantos esperam anos na fila de adoção até conseguir encontrar seu filho e poder abraçá-lo. E tem quem passa por inúmeros tratamentos de fertilização, até ter em mãos o teste positivo mais desejado de todos os tempos. Pode-se dizer então que, desde o anúncio de que filhos estão para chegar em nossas vidas, sentimentos ambíguos envolvendo o tempo nos assolam. Será que vai dar tempo do enxoval ficar pronto? Tempo de entregar todo o trabalho antes da licença? Os avós chegarão a tempo? Será que vai dar tempo de tirar um cochilo entre uma mamada e outra? Tempo dele se adaptar na escola ou à cuidadora para podermos voltar ao trabalho?
Na maioria das vezes não dá tempo. Tempo de dormir entre uma mamada e outra, de dar atenção ao irmão mais velho, de conversar com o marido ou sequer ligar para a comadre desejando feliz aniversário. Nos primeiros meses com nossos filhos temos a dúbia sensação de que o tempo parou, porque nossa libido e atenção ficam totalmente focadas nesse ser mínimo que nos ocupa 100 %; ao mesmo tempo em que o mundo não para de girar e nos demandar. Parece que emprestamos nosso relógio para eles roubarem nosso tempo de sono, de trabalho e de lazer. E logo começamos, então, a desejar, não sem culpa, que cresçam para ficar mais independentes e assim nos dar mais tempo. É nesse momento que entramos na fase do quando… Quando dormirá a noite inteira? Quando estará pronto para o desmame? Quando será o momento ideal para ir para a escola? Quando acaba o nascimento dos dentes de leite? Quando dormirá sozinho na casa da vó? Quando se completa o calendário oficial de vacinação? Nessa ânsia, não ouvimos as sábias palavras de quem que já atravessou essa fase: “Aproveite, porque passa muito rápido e você vai sentir saudades”.
É fato. A primeira infância (dos 0 aos 6 anos) passa rápido demais e é um tempo que não volta, além de ser quando a criança conquista a maioria das habilidades, valores e conhecimentos que levará para a vida adulta. Quando menos esperamos eles saem de nosso colo, verticalizam seus corpos, comem sozinhos, desfraldam, largam o berço, a chupeta e a mamadeira num caminho certeiro rumo à autonomia. A mãe suficientemente boa, segundo Winnicott, é aquela que vai, aos poucos, tornando-se desnecessária. E é nesse momento que começamos, contraditoriamente, a desejar congelar ou mesmo voltar no tempo para que os filhos nos caibam novamente nos braços ou possamos ir novamente às pracinhas da cidade contemplando o ir e vir dos balanços. Mas, o tempo não para – como dizia o poeta Cazuza. Eu diria que o tempo nos trai.
As crianças, portanto, são sábias ao dizer que: “Tempo é esperar os outros”, como Yenny Andrea Ramírez, de 9 anos; ou “ O tempo é algo que corre na gente”, segundo Roger de Jesus Valencia, também de 9 anos; ou “Tempo é algo que acontece para lembrar”, conforme Jorge Armando, de 8 anos, no Livro Casa das Estrelas. Atualmente, porém, não temos tido tempo para ouvir os pedidos das crianças de respeito ao seu tempo. Estamos sempre ocupados demais com mensagens, emails e outras demandas eletrônicas supostamente urgentes. E assim perdemos o que há de mais importante: tempo de troca e escuta com os pequenos. Tudo isto agravado pelas demandas incessantes de uma sociedade que nos vende a falsa ideia de que tempo é dinheiro, e que tem “adultizado” nossas crianças para vender. E que deseja acelerar o tempo da infância, alfabetizando crianças antes que saibam dar laços nos sapatos – conquista da psicomotricidade fina que deveria anteceder a escrita. Ou deseja que saibam falar Inglês antes de dominar a língua materna. E principalmente que se tornem consumidoras, antes de cidadãs.
Na sociedade consumista atual as crianças são convidadas pela mídia, e principalmente pela publicidade ilegalmente dirigida a elas a amadurecer precocemente para que possam consumir bens e estilo de vida adultos. Mas o tempo da infância é outro. É o tempo da espera, da contemplação e do encantamento. Criança precisa ter infância para ser criança. Precisa de tempo, de conexão consigo, com os outros e com a natureza. Precisa de olhar, de palavra, de acolhimento e de escuta. Precisa brincar mais do que comprar.
Acredito que justo por conta desse atropelamento da infância é que têm surgido cada vez mais movimentos de resgate do tempo de ser criança. Um dos mais recentes, um convite à desaceleração na rotina das crianças, foi aclamado pelo jornalista Inglês Carl Honoré e nomeado Slow Parenting. A ideia em voga é que possamos diminuir a quantidade de atividades que as crianças fazem no seu dia a dia, dando mais tempo e espaço ao ócio e à troca de saberes. No Brasil movimentos como o Slow Kids já têm, há alguns anos, lotado praças e parques públicos de famílias que, juntas, desfrutam de brincadeiras e resgatam a conexão, em contraponto a atividades de lazer que envolvam o consumo.
Foi no último domingo chuvoso que me dei conta disso tudo, ao colocar minha pequena (de quase cinco anos) no colo e brincando pedir, erroneamente, para ela voltar a ser bebê. Sua resposta, como sempre ácida e certeira, me tomou os olhos de lágrimas: “Mamãe, não dá para desaumentar” – quase uma poesia de Manoel de Barros. Foi quando me deparei novamente com o tempo, com o quão rápida e maravilhosa é a infância, e quanto é urgente honrarmos cada minuto junto às crianças.
Fica assim aqui, neste Outubro, esta breve reflexão sobre a infância e seu tempo. Mais o pedido para revermos nossas urgências e priorizarmos o verbo estar, no presente. Um convite à desaceleração e à desconexão para que possamos, de fato, nos conectar com o que importa – porque a vida é fugaz. Que tal trocarmos presente por presença?
Texto publicado em Outras Palavras.