Saúde mental em tempos de aceleração
Vivemos no tempo do consumo e da aceleração. Somos o tempo todo incentivados a consumir, correr e não mais pausar. Com o mundo na palma de nossas mãos, parece que perdemos o sentido de urgência. A portabilidade, através de nossos smartphones, nos trouxe muitos benefícios, que têm também a ver com o tempo. Mas não se pode negar que também nos trouxe uma adicção às imagens e um culto ao imediatismo sem precedentes.
Não nos permitimos adiar uma resposta de e-mail, perder um post, comentário ou notícia. E, assim, vamos nos relacionando com o mundo: através das telas, numa outra relação espaço-tempo. Pensemos nos momentos em que tínhamos tempo de espera e contemplação — como uma viagem de ônibus ou a sala de espera de um médico que antes nos reservavam tantos encontros e trocas sociais. Hoje, parece que estão todos conectados à web, com olhos baixos e fixos nas telas. Só o dedo é capaz de rolar, e isso tem tido consequências devastadoras na psiquê humana e no tecido social.
“Tempo é esperar os outros”, nos colocou uma sábia criança de 9 anos no livro “Casa das Estrelas”. Basta pensarmos que, desde que uma criança é concebida, o tempo é quem dita a saúde e os caminhos do pleno desenvolvimento desse sujeito que está sendo gerado. Pois é… esperamos longos nove meses para a chegada desse bebê que nos ditará uma nova temporalidade — que deve ser respeitada para amadurecer no tempo certo — como tudo na natureza. Precisamos rever nosso sentido de urgência. Desacelerar é imperativo para que possamos nos conectar com o que realmente importa.
Nunca antes experimentamos um momento em que crianças e adolescentes estivessem tão cheios de sintomas por falta de encontro e, principalmente, de escuta. Falta também respiro e pausa. Estamos adoecendo nossas crianças e jovens quando os projetamos somente ao futuro e esperamos uma alta e acelerada performance. Para que alcancem nossos ambiciosos sonhos e desejos para o futuro deles, esquecemos o momento presente e sua importância. Esse comportamento parece estar gerando doenças mentais graves como altos índices de transtornos de ansiedade, problemas relacionados a foco e concentração, além de fobias e manias.
Convoco-nos, então, à reflexão sobre esse cenário, somando-se a ele os crescentes índices de automutilação entre adolescentes e os dados de que no Brasil, entre 2000 a 2015, os suicídios aumentaram 65% dos 10 aos 14 anos e 45% dos 15 aos 19 anos, segundo levantamento do sociólogo Julio Jacobo Waiselfisz, coordenador do Mapa da Violência no Brasil.
Quando escutamos o outro (e o que ele realmente quer nos dizer), oferecemos a ele não só nosso tempo, mas, principalmente, um espaço em nós e isso lhe dá um sentido de pertencimento — tão importante para aqueles que estão em sofrimento — e assim criamos redes e contribuímos para as chances de cura e de reversão da dor.
A quixotesca missão de prevenir o suicídio e tantas outras patologias entre crianças e jovens é, hoje, de todos nós. Façamos laços. Levantemos os olhos das telas. Estejamos atentos aos sinais de alerta e cuidado como cortes, fala recorrente sobre a falta de vontade de viver, distúrbios do sono, falta de foco, perda ou aumento de peso, queda do desempenho escolar e ansiedade. Cada instante da vida de nossas crianças e adolescentes importa. Não estejamos distraídos nas telas das belezas e poesias cotidianas das relações.
Texto originalmente publicado em O Globo em 11/09/2019.