Lais Fontenelle

Tema(s): Infância

Tempo de ser criança

foto:André Moura

Sobre a importância de desacelerarmos e nos desconectarmos para entrar em contato com nossas crianças

Na semana passada li sobre duas iniciativas internacionais que tratam da mesma questão, apesar de parecerem contraditórias, e fiquei feliz em saber que essas modas podem pegar aqui pelo Brasil também. Uma das pautas era sobre a necessidade de oferecermos mais tempo em contato com a natureza para nossas crianças que hoje ficam muito tempo do seu dia em frente às telas e longe de sua natureza brincante, criativa e imaginativa http://oglobo.globo.com/ciencia/revista-amanha/menos-computadores-mais-brincadeiras-ao-ar-livre-10747916. Vale destacar aqui que as crianças brasileiras então entre as que mais assistem tv no mundo e passam mais de 5 horas por dia em frente às telas, sem a mediação de um adulto, e em classes menos favorecidas esse numero sobe para espantosas 9 horas diárias segundo últimos dados de pesquisa.

Essa mesma reportagem contava que a Inglaterra, preocupada com o sedentarismo das novas gerações, lançou uma campanha nacional para convencer as crianças a passar mais tempo em contato com a natureza. O projeto denominado “The Wild Network” conta com uma colaboração que reúne 400 organizações, entre escolas, grupos de escoteiros, empresas, ativistas e ambientalistas em torno do mesmo objetivo: convidar as crianças a trocar as telas por brincadeiras ao ar livre. Isso mesmo! Essa é, talvez, a maior iniciativa já realizada no país para reaproximar as crianças da natureza. Segundo a mesma matéria, para as autoridades inglesas, o que não faltam são evidências sobre os efeitos negativos de uma infância sedentária. Um relatório do National Trust (organização dedicada a preservar as riquezas culturais e ambientais do país) indica, inclusive, que o que chamam de “déficit de natureza” é “dramático” para a saúde e a educação dos pequenos. Para a associação, o trânsito cada vez mais intenso e a atração por telas digitais são, sem dúvida, fatores decisivos. Mas, não se pode negar também que o nível de estresse e ansiedade dos próprios pais contribui bastante para a questão.

E esses dados têm tudo a ver com uma outra matéria que li na mesma semana  http://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/2013/11/1370057-movimento-prega-a-desaceleracao-da-rotina-das-criancas.shtml e que trazia a ideia de desaceleração da rotina das crianças baseado no conceito do jornalista inglês Carl Honoré de slow parentening- que mostra que os pais hoje, por estarem sob constante pressão, acabam passando isso aos pequenos e lotando suas rotinas com milhões de atividades diárias extracurriculares.  A reportagem, no fundo trazia questões parecidas com a primeira por nos fazer o mesmo convite de repensarmos a rotina com a qual temos enclausurado nossas crianças seja em frente às telas ou em tantos compromissos. Ou seja, hoje parece que ou temos crianças paradas ou aquelas que não param nunca com agendas repletas de atividades. A matéria nos mostrava então como atividades alternativas podem fazer bem não só a saúde das crianças, mas para a relação de pais e filhos. Fato que ficou evidente no evento Slow Kids, realizado em São Paulo e incentivado pelo Instituto Alana, que esse mês levou mais de 1.500 pessoas a um Domingo no Parque com uma programação repleta de atividades nada tecnológicas: oficina de jardinagem, brincadeiras antigas e piquenique. O sucesso do evento demostrou que é possível por o pé no freio e desacelerar o ritmo familiar.

Confesso que desde que minha filha nasceu reflito bastante sobre o tempo de ser criança já que o mercado criou milhões de atividades para mães e bebês em diferentes formatos, mas todas com a mesma pretensão: estimular o bebê. São aulas de musicalização, psicomotricidade, natação, yoga e o que mais você desejar, com preços para lá de salgados e em espaços criados exclusivamente para receber a dupla mão e bebê. Mas, será que bebês precisam realmente de tantos estímulos para se desenvolver ou o que estamos fazendo é convidando esses pequenos a ingressar, precocemente, na loucura do tempo de consumo desenfreado de nossa sociedade contemporânea? Ao meu ver isso seria somente a porta de entrada para todas as outras atividades desenhadas sob medida para manter as crianças, em idade escolar, entretidas no contra período da escola.

Vale lembrarmos aqui que o tempo da infância é outro: mais imaginativo e contemplativo. Crianças  precisam exclusivamente  de tempo livre para brincar e assim se expressar e exercitar sua liberdade de criação. Mas, além desse tempo de brincar as crianças precisam também de mais tempo com seus pais porque essa relação, de fato, é a que faz diferença em seu desenvolvimento. Pais e filhos precisam de mais tempo de encontro um com o outro e com a natureza para se conectar. E para isso precisamos nos desconectarmos.  Que tal então desacelerar, desligar-se das telas e fazer parte desses movimentos? A dica é simples: basta entrar em contato com a natureza e com nossas crianças. A sua saúde e nossas crianças vão agradecer.

Texto originalmente publicado em 2013 em A Infância de Clarice.