Lais Fontenelle

Tema(s): Pandemia

Tempos melhores virão?

Sobre 1 mês em quarentena e o papel da utopia.

Passado o primeiro mês, desde que as escolas fecharam suas portas para tentar achatar a curva de contaminação pelo COVID19, a pergunta que nos ensurdece e segue sem resposta é a mesma: Quando tudo vai voltar ao normal? Sinto-lhes informar que o normal já não existe mais. São quase 2 milhões de pessoas infectadas e mais de 100 mil mortos (que não tiveram velório), pelo novo Coronavírus no mundo. Os deslocamentos cessaram, países fecharam suas fronteiras, o dólar subiu na mesma medida que a bolsa caiu. A violência doméstica aumentou exponencialmente. As escolas invadiram as casas através do ensino à distância. Avós foram, radicalmente, separadas de seus netos. Domésticas perderam seus empregos. Pequenas empresas estão falindo, enquanto milhões de médicos e cientistas não dormem — trabalhando, arduamente, seja no front do combate à pandemia ou na busca pelo tratamento e/ou vacina deste ser microscópico que mudou nossas vidas.

Foi um mês exaustivo e sentimos um monte de coisas, mas acima de tudo, medo: do desconhecido, de enlouquecer, falir, adoecer e da falta de controle de nossas vidas- apesar de ser a morte a única certeza do que nos faz humanos. Sentimos saudades do mar, dos parentes e da liberdade.Todos fomos compelidos a reorganizar nossas rotinas, dentro do limite de nossas casas. Mas, sinto que ainda não conseguimos desacelerar e perceber que o mundo nos pede pausa- para refletirmos sobre a maneira, insustentável, como estávamos nos relacionando com o trabalho, nossos filhos , pares e idosos e, acima de tudo, com o planeta. Fomos convocados a repensar o papel da ciência, do feminino no cuidado da família, do uso que fazemos da tecnologia e, também, da escola na aprendizagem.

Em momentos de crise e escassez sempre temos alguma escolha. Seja de seguir como estávamos ou de transformar o que nos cabe- a começar por nossos hábitos. Podemos escolher atravessar essa quarentena para nos reconectar com a beleza da simplicidade e com o poder da solidariedade. Reduzindo urgências e aprendendo a priorizar no cotidiano, voltando a cozinhar em família e revisitando histórias e memórias- como bem coletivo. Podemos ensinar nossas crianças a serem mais resilientes e autônomas, além de escutá-las em toda sua potência. Podemos, finalmente, entender que habilidades socioemocionais são mais importantes que conteúdos acadêmicos na formação de cidadãos.

Das janelas nossas crianças assistem a um espetáculo único e silencioso na história. Fantasiam como será esse tal Coronavírus, que não sai das telas, e as impede de andar livremente, de ver seus amigos e avós. De nossas janelas as crianças sentem medo, angústia e tédio. Tentam se adaptar à nova rotina de ensino à distância que não faz sentido algum dentro do seu quarto, sem o encontro nos corredores, o som barulhento dos recreios, ou o abraço do professor. Sofrem pela falta de resposta dos adultos sobre quando tudo vai voltar ao normal. Das janelas as crianças sonham no que farão quando tudo passar e seguem acreditando na utopia. Daqui há alguns anos tenho certeza que as crianças da quarentena de 2020 contarão mais histórias sobre tudo que foi possível aprender com seus incansáveis professores, inventar, sonhar e experimentar em família no isolamento social, mais do que foram impedidas de fazer. Por enquanto seguimos, todos, nas janelas na esperança de que tempos melhores virão.

Texto originalmente publicado no Caderno Opinião no Jornal Folha de São Paulo em 20/04/2020.