Lais Fontenelle

Tema(s): Adolescência, Infância, Saúde mental

O bullying não precisa só ser combatido no 7 de Abril. Ele precisa ser cuidado todos os dias.

 

“Gentileza gera Gentileza”, já escreveu o profeta pelos muros da cidade maravilhosa. Nunca antes suas palavras foram tão necessárias e urgentes como em nosso tempo que nos convoca a uma importante reflexão: Qual é a nossa responsabilidade (compartilhada) na construção de uma cultura de cuidado, respeito e empatia?

Há exatos 9 anos foi sancionada a Lei n° 13.277 que marca o 7 de Abril como data nacional de combate ao bullying e violência nas escolas. A discussão sobre bullying/ cyberbullying está quente, principalmente depois do lançamento da aclamada série inglesa Adolescência, sendo pauta nos grupos de whasapp,nas escolas, famílias, e sociedade em geral. Especialistas têm sido convocados a dar palestras, depoimentos e até receitas  sobre o que fazer em situações de conflitos recorrentes entre crianças e adolescentes -que se intensificaram depois do trauma coletivo experimentado pelo isolamento social imposto pela pandemia da Covid-19 há 5 anos. Estamos todos, ainda, reaprendendo a conviver e isso tem sido um grande desafio atualmente.

Mas, o que é bullying? Como podemos definir esse comportamento e, acima de tudo, preveni-lo? O termo vem do bully, em inglês, que significa amedrontar, intimidar ou ameaçar. Qualquer brincadeira ou comportamento que intimide, agrida, ofenda ou exclua, de forma sistemática e recorrente, pode hoje ser rotulado  como bullying e  ter consequências legais para os envolvidos – já que desde o início de 2024 o bullying e o cyberbullying (que  é quando esses comportamentos acontecem no ambiente virtual)foram tipificados como crime em nosso país a partir da lei 14.811 – o que mostra que brincadeiras entre crianças e jovens podem tornar-se um caso sério.  E aí me pergunto: Estamos responsabilizando as novas gerações por conflitos que fazem parte da convivência humana ou conflitos rotineiros na socialização das crianças e adolescentes ganharam hoje, dada a ambiência virtual, novos contornos, que os tornam mais difíceis de enfrentar devido ao rastro digital?

O “fenômeno”, na verdade, não é novidade. É sabido que crianças e jovens podem ser, muitas vezes, cruéis no exercício da socialização com apelidos dolorosos e atitudes pouco inclusivas – até porque estão em fase de formação de valores, tentando entender seus limites e os dos outros. E isso vale, principalmente, quando falamos de crianças pequenas, ainda sem as habilidades e ferramentas necessárias para expressar com clareza seus sentimentos. É dos adultos, portanto, a responsabilidade de iniciar os pequenos na vida civil, já que eles não conseguem refletir sobre as consequências de suas condutas e não têm formada a capacidade de se colocar no lugar do outro.

A empatia, tão em voga, ainda é para as crianças algo distante, mas que pode e deve ser ensinado sempre- através do exemplo, da conversa e ações organizadas em currículos socioemocionais nas escolas. Porém, cartilha nenhuma substitui o olhar cuidadoso, a escuta e o diálogo na prevenção desse tipo de conduta antissocial. É por isso que ressalto que cabe aos adultos com senso moral e ético formado,  seja na família  ou na escola, educar as crianças para a vida em sociedade, mediando conflitos e, principalmente, passando valores  que incentivem relações mais cooperativas e fraternas do que competitivas e discriminatórias, principalmente numa sociedade de consumo como a nossa onde os algorítimos ditam não só modas, mas atravessam a formação subjetiva.

Contudo, nem todos os conflitos entre crianças e adolescentes podem ser classificados como bullying já que desentendimentos são inerentes aos relacionamentos interpessoais e servem como aprendizagem ao desenvolvimento de habilidades humanas. Sem conflitos não crescemos. Todavia, deve existir um limite, claro, entre o que é natural e aquilo que ultrapassa e pode trazer danos irreversíveis não só a socialização, mas a saúde mental desses sujeitos em formação. E por isso a importância da data de hoje para marcarmos uma reflexão cuidadosa sobre esse comportamento danoso que envolve 3 atores, essencialmente: Autores, Alvos e Expectadores. Por ser uma prática, reconhecidamente, silenciosa e entre pares devemos estar atentos a comportamentos disfuncionais para uma atuação conjunta.

Família e escola devem dar as mãos para transformação desse cenário. É nossa responsabilidade compartilhada ensinar as crianças e adolescentes que cuidado, respeito, delicadeza e empatia são valores que devemos carregar por onde andamos – e que isso começa no recreio da escola, na pracinha do bairro, nos comentários aos posts nas redes sociais e, principalmente, dentro de casa e da sala de aula. Uma educação inclusiva deve prevalecer para que as diferenças de gênero, etárias, étnicas, religiosas, e sociais não sejam causas de discriminação, e sim exaltadas como sinônimo da grandeza e beleza do mundo. O bullyingnão precisa só ser combatido no 7 de Abril. Ele precisa ser cuidado todos os dias.