Lais Fontenelle

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Violência escolar: Um problema de todos.

A violência escolar é hoje o tema mais urgente para aqueles que, assim como eu, atuam diariamente na gestão do chão da escola ainda acreditando que somente através da educação comprometida com a formação de cidadãos é que teremos uma sociedade mais justa, inclusiva e democrática. De acordo com a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), a violência escolar pode ser definida como toda ação ou omissão que cause ou vise causar dano à escola, à comunidade escolar ou a algum de seus membros, que ocorram no ambiente de ensino ou que não sejam relacionadas às atividades escolares em si. E esse tipo de violação tem crescido, desenfreadamente, nos últimos anos o que nos convoca a refletir sobre onde estamos falhando, mas a buscar ações coordenadas e efetivas coletivamente.

A função da escola sempre foi, muito mais do que passar conteúdos matemáticos ou linguísticos, mas sim promover a convivência entre pares e inserir crianças e jovens na regra social. Tarefa hercúlea e de extrema responsabilidade, pois é somente nesse espaço/tempo que sujeitos, em formação ética e moral, terão a chance diária de construir sua autonomia,  saindo do fórum privado e familiar para ingressar no que é público. Porém, esse exercício de cidadania que se dá, exclusivamente, na escola não é isento de conflitos, muito pelo contrário. São inúmeras as questões disciplinares e de incivilidades que atravessam o dia a dia dos gestores e invadem a sala das coordenações, todos os dias e sem pausa, e que nos dão a chance de ajudar esses sujeitos a construir habilidades sociais.

O cenário de conflitos relacionais nas escolas se intensificou muito nos últimos 5 anos, primeiro devido ao trauma coletivo experimentado pelo isolamento social imposto pela pandemia da Covid-19, quando desaprendemos a conviver, somado ao fato de que os muros da escola são, hoje, outros. O universo digital invadiu a realidade de crianças e jovens e as interações em redes sociais e plataformas digitais, sem corporeidade ou qualquer monitoramento parental, devolve para a escola os conflitos que acontecem no virtual em grupos de whatsapp e se desdobram no cotidiano presencial das salas de aula e recreios. Além disso, temos um aumento de casos de preconceito, racismo, homofobia, capacitismo e uma relativização de discursos de ódio e misoginia como agravantes que não podem ser desconsiderados para se pensar esse problema complexo e multifatorial que é a violência escolar- que levou ao menos 47 vítimas fatais desde 2001.

Feito esse preâmbulo vamos a alguns dados alarmantes, do nosso país, que mostram que os casos de violência no ambiente escolar mais do que triplicaram nos últimos 10 anos. Segundo a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, os registros de violência escolar saltaram de 3.771 em 2013 para 13.117 em 2023, atingindo seu ápice. Sem falar do aumento exponencial de questões graves de saúdem mental entre crianças e jovens, incluindo automutilação e suicídio, inclusive. Segundo o Ministério de Direitos Humanos e Cidadania (MDHC), no ano de 2023 13,1 mil pacientes foram atendidos em serviços públicos e privados de saúde, após se automutilarem, tentarem suicídio ou sofrerem ataques psicológicos e físicos no contexto educacional. Em 2013, houve 3,7 mil episódios. Os números contemplam estudantes, professores e outros membros da comunidade escolar.

Alguns marcos legais, recentes, vem ao encontro desse contexto como nova lei do bullying 14.811/2024, sancionada em janeiro de 2024, que altera o Código Penal brasileiro e tipifica o bullying e cyberbullying como crimes, prevendo punições como multa e reclusão. Já a Lei 15.100/2025, sancionada no início de 2025, restringiu em âmbito nacional o uso de celulares em escolas de educação básica, proibindo-os durante aulas, recreios e intervalos na tentativa de melhorar o relacionamento entre pares e prevenir a saúde mental dessa população em formação.

Segundo Telma Vinha e Luciene Tognetta, especialistas na área e coordenadoras do GEPEM (Grupo de Estudos e Pesquisas em educação Moral) o enfrentamento do problema da violência escolar requer muito mais do que projetos pontuais ou protocolos bem escritos, pois a demanda real é de uma transformação estrutural na instituição escolar envolvendo diversas frentes de atuação que devem ser coordenadas com ações intencionais. Um olhar sensível para as metodologias de ensino e, também, para o clima escolar deve ser o ponto de partida. A escuta de estudantes em formato de assembleias para uma sensação de pertencimento na comunidade e participação da solução dos problemas é, igualmente, imprescindível. A mediação de conflitos entre pares e rodas restaurativas são outras práticas que merecem ser incluídas no escopo da solução de problemas, como também concorda a Dra Vanessa Cavalieri, juíza da Vara da infância e juventude do RJ e idealizadora do Protocolo Eu te Vejo. E a formação continuada da equipe junto com espaços frequentes de escuta são parte da prevenção. E quando necessário for os órgãos competentes devem ser acionados como mais uma forma de proteção a infância e adolescência para que negligências não se perpetuem.

Já a empatia, tão em voga, pode e deve ser ensinada sempre- através do exemplo, do diálogo constante e de atividades planejadas em currículos socioemocionais que envolvam temas contemporâneos. E o livre brincar, como forma de encontro entre pares e construção de habilidades de vida, deve não só ser fomentado como ganhar mais tempo e espaço no dia a dia escolar. Ao invés de tirarmos os recreios devemos ampliar esse tempo. Em suma, a lógica exclusiva do vigiar e punir não será eficiente para solucionar esse problema complexo. É claro que as sansões disciplinares podem e devem estar organizadas e estruturadas para serem efetivas, mas cartilha nenhuma substituirá o olhar cuidadoso, a escuta e o diálogo na prevenção de condutas antissociais. Família e escola devem dar as mãos e agir em parceria para transformação desse cenário. É nossa responsabilidade compartilhada não deixar que crianças e adolescentes carreguem mais cicatrizes do que laços da experiência escolar. Que possamos atuar em redes de cuidado e amparo para que mais nenhuma Alicia tenha sua vida interrompida.